Espaço público e o conceito de 'arquitetura hostil'
01/03/2021
Abaixo, a motivação para a matéria principal, que tem como tema principal abordar a problemática dos espaços públicos para todEs e o conceito de 'arquitetura hostil':
"O Senado pode analisar um projeto de lei que proíbe o uso de "arquitetura hostil" em espaços livres de uso público. A técnica, também conhecida como "arquitetura defensiva", é caracterizada pela instalação de equipamentos urbanos (como pinos metálicos pontudos e cilindros de concreto nas calçadas) que visam afastar pessoas, principalmente as que estão em situação de rua.
A medida foi apresentada após grande polêmica em São Paulo, no início de fevereiro. O padre Júlio Lancellotti, conhecido por suas ações de acolhimento às pessoas em situação de rua, usou uma marreta para remover pedras instaladas pela prefeitura no chão de um viaduto. O protesto simbólico do religioso viralizou na internet e ganhou apoiadores pelo país."
Espaço público e o conceito de 'arquitetura hostil'
Das soluções urbanas expostas, bancos desenhados especialmente para exclusão de moradores de rua e skatistas e ainda espetos sobre muretas ou proteções sob marquises foram alguns dos exemplos citados.
As medidas dividiram opiniões no país. Enquanto grande parte da população confrontou o governo alguns designers e cidadãos, por outro lado, defenderam o desenho das peças como agentes de “prevenção do comportamento criminoso” [2].
Os exemplos são muitos: em Guangzhou, na China, em uma área livre coberta abaixo de um dos viadutos da cidade, foram introduzidas milhares de pedras pontiagudas para evitar que moradores de rua se apropriassem do espaço como abrigo. A mesma solução foi aplicada abaixo de viadutos e passarelas de Belo Horizonte, em Minas gerais, e em muitas outras cidades pelo mundo. Os exemplos podem ser ainda mais ríspidos. Cercas elétricas, arames farpados, grades no perímetro de praças e gramados, bancos públicos com larguras inferiores ao recomendado pelas normas de ergonomia, bancos curvados ou ainda assumindo geometrias irregulares, lanças em muretas e guarda-corpos, traves metálicas em portas de comércios, pedras em áreas livres, gotejamento de água em intervalos estabelecidos sob marquises, e tudo que puder de alguma forma afastar ou excluir pessoas “indesejáveis” dos locais públicos urbanos.
Dez anos antes, em 2005, a artista plástica Sarah Ross, já havia desenvolvido uma série de vestimentas-manifesto capazes de adaptar-se a estruturas e peças públicas urbanas de Los Angeles, intitulada Archisuit [3].
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), estima-se que no Brasil há 101 mil moradores de rua, do qual, cerca de “40,1% estejam em municípios com mais de 900 mil habitantes e 77,02% em cidades com mais de 100 mil pessoas” [4], enquanto que 6,63%, viviam em “municípios menores, com até 10 mil habitantes” [5].
Partindo dos números alarmantes e notícias quanto ao número de pessoas vivendo precariamente nas ruas, de óbitos causados pelas baixas temperaturas no inverno, da fome e condições degradantes, o que se percebe, é que ações promovidas pelos Órgãos Públicos e população deflagram a falta de gentileza, que diariamente “fecham seus olhos” para a cruel realidade.
Algumas ações no território brasileiro visam “revelar” quem são essas pessoas, não apenas em números, mas enquanto seres humanos. Entre eles, destaca-se o projeto SP Invisível, criado por em 2014, pelo jornalista Vinicius Lima e o fotógrafo André Soler. Atua como um “movimento de conscientização das pessoas através de histórias de pessoas em situação de rua da cidade de São Paulo” [6], que através de fotografias e depoimentos colhidos, tentam “abrir os olhos das pessoas para que todos possam se ver com olhares mais humanos e assim se interagirem e conectarem, cada vez mais, até que toda cidade se enxergue com os olhos do coração” [7].
O tema é bastante complicado e abrangente, e não pode ser abordado de maneira simplista ou romantizada. O número alarmante de moradores de rua expõe desigualdades estruturais na sociedade brasileira, evidenciando o estado mais degradante que um ser humano pode chegar, que muitas vezes vem acompanhado de falta de opções, abandono familiar, dependência química, problemas psiquiátricos, etc. Além disso, a responsabilidade não pode ser colocada nas costas dos arquitetos, projetistas e sociedade. Mas fica a provocação de que, sempre ao abordarmos o tema de cidades inclusivas ou para pessoas, acabamos omitindo os moradores em situação de rua.
Das soluções urbanas expostas, bancos desenhados especialmente para exclusão de moradores de rua e skatistas e ainda espetos sobre muretas ou proteções sob marquises foram alguns dos exemplos citados.
As medidas dividiram opiniões no país. Enquanto grande parte da população confrontou o governo alguns designers e cidadãos, por outro lado, defenderam o desenho das peças como agentes de “prevenção do comportamento criminoso” [2].
Os exemplos são muitos: em Guangzhou, na China, em uma área livre coberta abaixo de um dos viadutos da cidade, foram introduzidas milhares de pedras pontiagudas para evitar que moradores de rua se apropriassem do espaço como abrigo. A mesma solução foi aplicada abaixo de viadutos e passarelas de Belo Horizonte, em Minas gerais, e em muitas outras cidades pelo mundo. Os exemplos podem ser ainda mais ríspidos. Cercas elétricas, arames farpados, grades no perímetro de praças e gramados, bancos públicos com larguras inferiores ao recomendado pelas normas de ergonomia, bancos curvados ou ainda assumindo geometrias irregulares, lanças em muretas e guarda-corpos, traves metálicas em portas de comércios, pedras em áreas livres, gotejamento de água em intervalos estabelecidos sob marquises, e tudo que puder de alguma forma afastar ou excluir pessoas “indesejáveis” dos locais públicos urbanos.
Dez anos antes, em 2005, a artista plástica Sarah Ross, já havia desenvolvido uma série de vestimentas-manifesto capazes de adaptar-se a estruturas e peças públicas urbanas de Los Angeles, intitulada Archisuit [3].
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), estima-se que no Brasil há 101 mil moradores de rua, do qual, cerca de “40,1% estejam em municípios com mais de 900 mil habitantes e 77,02% em cidades com mais de 100 mil pessoas” [4], enquanto que 6,63%, viviam em “municípios menores, com até 10 mil habitantes” [5].
Partindo dos números alarmantes e notícias quanto ao número de pessoas vivendo precariamente nas ruas, de óbitos causados pelas baixas temperaturas no inverno, da fome e condições degradantes, o que se percebe, é que ações promovidas pelos Órgãos Públicos e população deflagram a falta de gentileza, que diariamente “fecham seus olhos” para a cruel realidade.
Algumas ações no território brasileiro visam “revelar” quem são essas pessoas, não apenas em números, mas enquanto seres humanos. Entre eles, destaca-se o projeto SP Invisível, criado por em 2014, pelo jornalista Vinicius Lima e o fotógrafo André Soler. Atua como um “movimento de conscientização das pessoas através de histórias de pessoas em situação de rua da cidade de São Paulo” [6], que através de fotografias e depoimentos colhidos, tentam “abrir os olhos das pessoas para que todos possam se ver com olhares mais humanos e assim se interagirem e conectarem, cada vez mais, até que toda cidade se enxergue com os olhos do coração” [7].
O tema é bastante complicado e abrangente, e não pode ser abordado de maneira simplista ou romantizada. O número alarmante de moradores de rua expõe desigualdades estruturais na sociedade brasileira, evidenciando o estado mais degradante que um ser humano pode chegar, que muitas vezes vem acompanhado de falta de opções, abandono familiar, dependência química, problemas psiquiátricos, etc. Além disso, a responsabilidade não pode ser colocada nas costas dos arquitetos, projetistas e sociedade. Mas fica a provocação de que, sempre ao abordarmos o tema de cidades inclusivas ou para pessoas, acabamos omitindo os moradores em situação de rua.
Veja também:
Como a "arquitetura defensiva" está criando cidades inabitáveis
Para muitos, as duras transformações ocorridas na cidade moderna não são aparentes. Vemos bancos e pontos de ônibus que se disfarçam de abrigo, mas o mergulho repentino do escritor Alex Andreou, do The Guardian, na vida de rua abriu seus olhos para a hostil realidade dessas e outras estruturas. Clique aqui e vá direto para o texto
Notas
[1] (QUINN, 2014).
[2] (Idem).
[3] (ROSS, 2005).
[4] (Instituto de pesquisa Econômica Aplicada).
[5] (Idem).
[6] (SP Invisível).
[7] (Idem).
Referências Bibliográficas
QUINN, Ben. Anti-homeless spikes are part of a wider phenomenon of 'hostile architecture'. Publicado em 13 Jun 2014. Disponível em: <https://www.theguardian.com/artanddesign/2014/jun/13/anti-homeless-spikes-hostile-architecture>. Acesso em 04 Fev 2018.
ROSS, Sarah. Archisuits. Disponível em: <http://www.insecurespaces.net/archisuits.html>. Acesso em 04 Fev 2018.
Instituto de pesquisa Econômica Aplicada. Pesquisa estima que o Brasil tem 101 mil moradores de rua. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=2930>. Acesso em 03 Fev 2018.
SP Invisível. Disponível em: <https://spinvisivel.org/>. Acesso em 03 Fev 2018.
Arquitetura hostil e cartografia afetiva | TEDxRioVermelho
Jamile Borges é Antropóloga. Tem Pós-doutorado na Universidade de Lisboa/PT e é professora da Universidade Federal da Bahia.
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